José Luís Fiori
Engana-se quem pensa
que a China nunca foi um estado expansionista.
O poder é sempre expansivo,
ainda que ele possa ter longos períodos de “adormecimento” ou “fragmentação”. Foi assim, em
qualquer tempo ou lugar, durante toda a história da humanidade, independente da
existência de economias de mercado,
e muito antes da existência do capitalismo. E o mesmo aconteceu na história da
China. Começando pelo próprio processo originário de unificação do império
chinês depois de longos séculos de guerras e conquistas, durante o período dos
“Reinos Combatentes”, entre os anos de 481 a.C e 221 a.C.. Resumindo a
história, o primeiro império chinês nasceu da expansão vitoriosa de dois reinos
situados no nordeste da China atual: o Estado Qin, que foi o grande vencedor da
guerra e promoveu a unificação, e o Estado Han, que o sucedeu em 206 a.C e foi
responsável pela construção de um império que durou 400 anos, período “dourado”
da história chinesa. O Império Han depois estendeu sua influência à Coréia,
Mongólia, Vietnã e Ásia Central, chegou ao Mar Cáspio e inaugurou a famosa
“rota da seda”. Foi neste período que o império chinês concebeu o seu “sistema
hierárquico-tributário” de relacionamento com povos vizinhos que aceitassem
manter sua autonomia em troca do reconhecimento da superioridade da civilização
chinesa. Um “modelo de relacionamento” que se transformou numa “rotina
milenar”, dentro do mundo sinocêntrico, até meados do século XIX.
No século XIV, depois
de um longo período de fragmentação territorial e guerras intestinas, a China
viveu um novo processo de centralização do poder, sob a Dinastia Ming
(1368-1644), que reorganizou o estado chinês e liderou uma segunda “era de
ouro” nas artes, na economia, na filosofia, mas também nas conquistas
territoriais e navais. De novo, a centralização do poder interno se prolongou
no expansionismo externo, através da diplomacia,
da guerra e do brilho exemplar da civilização confuciana. Durante a Dinastia
Ming, a China reconquistou a Mongólia, a Coréia e o Vietnã, e impôs seu domínio
ao Japão, Java, Brunei, Srivijaya, Sião e Camboja. Em 1424, o império suspendeu
as expedições marítimas do Almirante Cheng Ho, mas foi apenas uma opção pelas
conquistas terrestres, através das infinitas “fronteiras móveis” do império,
por onde se multiplicou o seu território e a sua população, sem que ele tivesse
que se afastar de suas linhas de suprimento estratégico, como ocorreu com os
impérios marítimos europeus.
No tempo em que a acumulação do poder se
media em território, população, excedente econômico e capacidade de tributação, a China conquistou, em
três séculos, mais do que o dobro do que foi conquistado pela Europa e seus
impérios marítimos.
E o mesmo veio a ocorrer mais tarde, com a
Dinastia Qing, que governou a China entre 1668 e 1912, em particular durante o
reinado do Imperador Ch´ien-Lung (1735-1799), quando a China duplicou seu
território, conquistando o Tibet, Taiwan, e todo o oeste do atual território
chinês, até o Turquistão. No caso dessas regiões, a conquista chinesa foi
particularmente violenta e as terras conquistadas foram transformadas em
colônias, numa posição inferior dentro do sistema de “círculos concêntricos”,
como era concebido pelos chineses o seu “Império do Meio”, construído a partir
do seu pináculo
civilizatório, situado em Pequim.
Depois das duas
“Guerras do Ópio”, em 1839-42 e 1856-60, a China foi submetida a um século de
humilhações por parte das potências europeias [...]. Mas na segunda metade do
século XX, a China voltou a centralizar seu poder interno, expulsou as
potências coloniais, adotou o capitalismo como instrumento de acumulação de
poder e entrou num novo período de crescimento econômico e expansão externa do seu
poder e de sua influência civilizatória. E está reconstruindo o seu antigo
“sistema hierárquico tributário”, dentro e fora do antigo mundo sinocêntrico
[...]
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/Sobre-o-desenvolvimento-chines-III-/28836 Acesso em 17/04/17.
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