Armindo Trevisan
Houve um personagem da Antiguidade, do século IV a.C., Eróstrato, que
teve uma curiosa – e "compreensível" – ideia dentro dos padrões atuais
de busca ansiosa de fama e iconicidade: tornar-se famoso graças a um
incêndio. Eróstrato não foi mesquinho consigo mesmo: incendiou, nada
mais, nada menos, que o Templo de Diana, em Éfeso.
Alguns autores sustentam que Eróstrato não incendiou o Templo de
Diana, mas a mais famosa biblioteca do seu tempo, a Biblioteca de
Alexandria, no Egito.
Pelo seu crime, foi condenado à morte na fogueira.
O caso, simetricamente oposto ao de Eróstrato, foi protagonizado
pelo presidente François Mitterrand, da França, que também desejou
imortalizar-se, promovendo a construção de uma das bibliotecas mais
famosas do mundo contemporâneo, a Nova Biblioteca de Paris.
Como porto-alegrense "honorário", fico a pensar num governador do
Estado ou num prefeito da Capital que se disponham a resolver o
problema de uma Biblioteca Estadual digna do Rio Grande do Sul.
A Biblioteca Estadual atual já cumpriu suas funções. Teve
insignes diretores no passado, entre os quais Augusto Meyer e Reynaldo
Moura. Cresceu até onde lhe foi possível crescer. Infelizmente, o Estado
e a cidade cresceram mais do que ela.
Por que não transformar a (ex) Biblioteca Estadual em "Biblioteca
da Cultura Gaúcha", reunindo no velho e venerável edifício os acervos
historiográfico, sociológico, literário, folclórico etc. da gauchidade?
O Estado está necessitando uma nova biblioteca. Diria mais: o Estado está exigindo uma nova biblioteca.
Uma biblioteca à Mitterrand, não uma biblioteca galponeira. Uma
biblioteca à altura de Erico Verissimo, Dyonélio Machado, Vianna Moog,
Mario Quintana, e outras sumidades de nossa cultura.
Uma biblioteca, literalmente, contemporânea.
Imagino uma biblioteca estadual, cuja sede seja uma espécie de
torre, em cujo último andar se instale um restaurante panorâmico,
circular, móvel. No andar imediatamente inferior, poder-se-ia instalar
um café moderníssimo, não só dotado de todos os confortos da
civilização, mas também de todas as espécies de café existentes no
planeta.
O edifício poderia sediar, no térreo, a recepção, os serviços
gerais e um auditório magnífico, que servisse para encontros literários,
audições de música clássica, principalmente música de câmara. Nos
outros andares, salas para oficinas literárias, cursos, enfim tudo o que
possa agilizar nossos neurônios. Nos outros andares, colocaríamos os
livros, nossos anfitriões.
O edifício, em forma de torre, ou como o possam planejar nossos
melhores e mais talentosos arquitetos – às vezes, êmulos do projetista,
sem dúvida genial, da Fundação Iberê Camargo –, seria construído no
coração do Parque Farroupilha ou noutro local da Capital e teria, no seu
estacionamento subterrâneo, possibilidade de acolher centenas de
veículos, de modo que os visitantes de nossa futura biblioteca pudessem
vir a ele, despreocupados.
Senhores gaúchos: não é um sonho maravilhoso?
Terá já nascido o Mitterrand gaúcho que concretizará tão poético sonho?
A Copa e as Olimpíadas podem trazer proveito ao Estado e à Capital. Fazemos votos para que isso aconteça.
Mas a verdade é que nossos pés, hábeis para a bola, podem sugerir
outra possibilidade: a de que nossas cabeças e nossos corações tenham
estímulos para pensar com mais inteligência e sentir com mais finesse.
Fonte: Zero Hora Digital
Nenhum comentário:
Postar um comentário