terça-feira, 29 de novembro de 2011

A nova cultura de controle digital

O texto deste artigo faz parte do meu novo e-book, Gestão da Desintermediação, que ainda está em progresso. Essa reflexão foi inspirada pelos debates que tive com uma das turmas para a qual ministrei um workshop.


A grande novidade que a Internet traz para o mundo não é a tecnologia digital em rede, como muita gente tem apregoado.

O mais impactante é tudo aquilo que esta tecnologia cognitiva desintermediadora  propicia e determina: uma nova cultura de controle (que podemos chamar de controle digital) de forma global, que determina inapelavelmente uma nova forma mais dinâmica e eficaz de resolver problemas e de exercer controle sobre pessoas, ideias e processos.

Uma revolução cognitiva, como a que estamos vivendo, é um fato muito incomum e raro na história da civilização. Conseguimos identificar uma revolução cognitiva, como essa, com a chegada da fala e da escrita. Estamos aprendendo, assim, que a mudança cultural é um dos  fenômenos sociais  mais impactantes que temos notícia  e está começando a moldar a sociedade daqui por diante, fundando uma nova civilização ao longo do tempo. Por quê?

Novos personagens passam a fazer uso dessa nova maneira de resolver problemas, através de novas ferramentas e metodologias, surgindo novos projetos empreendedores, novos talentos e líderes. Ou seja, se tornará cada vez mais vital adotar essa nova cultura nas organizações, mesmo aquelas que não acreditam ser atingidas por ela.

Não se trata, portanto, de uma nova metodologia de gestão, mas uma nova forma de fazer o controle dos processos, pessoas e ideias, que é, digamos, o sistema operacional por baixo de qualquer gestão.

Tal fato nos levará a uma tensão constante entre as duas culturas: a analógica (que não quer ir) e a digital (que insiste em chegar). Será essa tensão entre as duas culturas dialogando e, muitas vezes, brigando o fator principal dos conflitos sociais (dentro e fora das organizações)  ainda sem explicação pelas atuais teorias de plantão.

Alinho abaixo algumas constatações sobre essa passagem que estamos assistindo da cultura de controle vertical analógica dos ambientes sociais, para os controlados de forma mais horizontal e digital:


1. Toda sociedade tem uma cultura de controle invisível, que faz parte da maneira com que ela se aceita e consegue funcionar. Algo construído e negociado ao longo do tempo, sempre com uma certa tensão entre as diferentes forças mais ou menos conservadoras;


2. É algo aceito e incorporado no mais íntimo do nosso ser, da qual não temos muita consciência, quase como o ar que respiramos, pois é a base da educação do berço à escola;


3. Esta cultura de controle, de maneira geral, estabelece ao longo do tempo as regras tangíveis e intangíveis para gerir e administrar pessoas, processos (principalmente produtivos) e ideias em toda a sociedade;


4. Tal cultura envolve, principalmente, o modelo de gestão das organizações. Uma espécie de sistema operacional da placa-mãe que forma nosso modus-operandi, o qual acionamos para resolver qualquer tipo de problema;


5. A mudança da cultura de controle pode se dar de diversas formas: ocasionalmente, regionalmente, devido a uma organização, a partir de revoluções ou revoltas sociais, ou através de novos modelos de gestão, passando, por exemplo, de uma mais hierárquica, para uma menos;


6. Porém, uma cultura de controle só muda globalmente a partir da chegada de uma nova tecnologia cognitiva desintermediadora, que podemos chamar de revolução cognitiva;


7. Tivemos uma revolução como essa com a chegada da fala e da escrita. Em particular, mais perto, com a expansão e massificação da escrita (escrita 2.), a partir do papel impresso, em 1450. Ou como agora, com a expansão da Internet através de “redes sociais digitais”, desde 2000, quando a banda larga barateou os custos de acesso;

8. Uma nova cultura de controle começa assim: com a chegada de uma nova tecnologia cognitiva desintermediadora, que logo dá margem a projetos pilotos de visionários, encarados inicialmente pela sociedade como curiosos e circunscritos a alguns setores (como o da informação/ entretenimento), mas que vão ganhando cada vez mais espaço;


9. Uma cultura de controle, portanto, só é alterada de forma global quando massificamos uma  tecnologia cognitiva desintermediadora, inaugurando uma nova etapa civilizacional, impulsionada por espaço intenso de nova de ideias;

10. Além disso, atinge diretamente a forma como estabelecemos o exercício do poder social em todas as instâncias, que é algo arraigado em cada um e no modelo de gestão das organizações. Uma mudança profunda e de um grau de superação muito grande;


11. É comum e natural, assim, que haja uma enorme dificuldade de compreensão do fenômeno, da aceitação de sua inevitabilidade e da aceitação e adaptação à nova cultura do controle, pois não sabemos por onde começar;


12. Já existe (e existirá muito mais) resistência nos setores mais conservadores, que são aqueles que mais se beneficiam do antigo modelo (tal como a área financeira/ ditaduras). São organizações e países menos competitivos e mais verticalizados e que se beneficiam da sombra que um modelo mais centralizado de ideias permite durante um longo período;


13. Podemos dizer que esse longo período de controle rígido de ideias aumentou a taxa de ganância na sociedade, reduzindo o espaço para ideias e princípios de maneira geral e o surgimento de líderes mais conectados com os desejos da maioria.  São taxas de ganância que estão elevadas pela falta de mediação e de espaço para uma fiscalização mais efetiva, que passa agora a ser possível pelos novos canais, que tendem a baixar essa taxa de ganância;


14. A chegada de uma nova cultura de controle tem como causa principal a necessidade de dar novas respostas inovadoras ao aumento radical da população (lembrando que saltamos de um bilhão em 1800, para sete bilhões em 2010, com um crescimento atual de mais um bilhão a cada dez anos);


15. Uma nova cultura de controle é, portanto, uma ferramenta humana fundamental para lidar de forma mais dinâmica com os antigos e novos problemas gerados por um número maior de habitantes;

16. Tal aumento pressiona os processos de produção e, por sua vez, de inovação, de comunicação, de informação e de conhecimento, justificando cada vez mais a adoção da nova cultura de controle;

17. Essa nova cultura de controle se caracteriza pela passagem de um controle baseado em intermediadores humanos (jornalista, médicos, gatekeepers, professores, corretores de todos os tipos), para outro baseado em profissionais que já operam com um novo tipo de desintermediação;


18. Os novos profissionais desintermediadores vão ter como parceiros de trabalho robôs, algoritmos, geolocalizadores, chips nos objetos e comunidades em rede articuladas digitalmente, que já são, e serão, ainda mais capazes de controlar um volume maior de informação/ processos/ operações em menos tempo com mais relevância, geração de significado e eficácia;


19.  A mudança da cultura de controle afeta, de forma profunda, a subjetividade de cada indivíduo e a relação deste com o seu ego. Assim como o que ele entende por relação de poder, o que é algo aprendido desde nossa família, passando pela escola e convívio social;


20. Adaptar-se à nova cultura exige prática e reflexão, pois essa não é uma mudança teórica. Não é algo que se possa apenas falar sobre, mas é preciso falar, agir, pensar, repensar e falar e pensar de novo;


21. Mudanças desse porte podem ser comparadas, a grosso modo, ao efeitos modificadores globais da vida social, tal como grandes pandemias, ou à queda de um grande meteoro, ou ainda à modificação brusca (ambas com grandes perdas populacionais) e repentina do clima a nível global, com impactos efetivos e irreversíveis para os próximos séculos;


22. A mudança da cultura de controle ainda não está bem detalhada nas nossas teorias sociais, nem nos manuais de construção de cenários futuros das organizações, o que dificulta ainda mais a criação de estratégias eficazes de gerenciamento do fenômeno;


23. Hoje, analisamos o futuro baseado em fatores variantes na economia (com mais ênfase) e na política (com menos), mas não incluímos mudanças nos ambientes cognitivos, da informação e da comunicação;


24. Tal fato é agravado por um mundo muito ligado ao presente e com tendência a-histórica, características aliás do esgotamento de uma cultura de controle que durou várias décadas;

25. Por causa disso, a tentativa de fazer projetos pilotos nas organizações e na sociedade, sem a devida preparação de mudança da cultura de controle, não tem funcionado a contento. Ao tentar implantar tecnologias digitais em rede, indutoras naturais dessa mudança para a nova cultura, tais projetos acabam por esbarrar na cultura passada e criam crises de culturas distintas no mesmo ambiente, mal gerenciadas pela falta de consciência do que de fato está mudando;


26. Estamos aprendendo, portanto, que não é possível a convivência, de forma harmônica, das duas culturas de controle em um mesmo ambiente gerencial. Isso porque elas são antagônicas e incompatíveis entre si, o que dificulta ainda mais essa adaptação e implantação, sendo necessário a criação de grupos internos que possam compreender com profundidade o fenômeno para criar estratégias inteligentes de implantação da nova cultura;

27. Assim, a migração das organizações para a nova cultura de controle deveria passar, se formos pensar na forma ideal, por um processo racional e estratégico com os seguintes passos:

  1. Percepção e difusão da inevitabilidade da mudança, sua dimensão, extensão e impacto;
  2. Formação de um grupo que possa compreender e se aprofundar continuamente na extensão da mudança;
  3. Inclusão de projetos estratégicos de passagem de toda a organização, através de um  plano de mudança pela ordem: de mentalidades, pessoas, tecnologias, metodologias e incorporação de novos perfis profissionais. É preciso ter novos paradigmas de métrica para avaliar os projetos, tendo como parâmetro a geração de valor;
  4. A introdução da nova cultura em áreas independentes, quando possível, ou a criação de um novo ambiente de trabalho completamente isolado da cultura antiga, que permita adotar de forma integral a nova cultura, com as novas tecnologias e metodologias de controle, substituindo a passada. O estudo de startups é recomendável, quando possível, como fez a Americanas.com, saindo completamente dos braços da Lojas Americanas;

28. Portanto, as organizações que desejarem fazer essa migração terão que procurar espaços, seja em setores que possam ter uma certa independência produtivo/ gerencial (o que é muito raro) ou na criação de startups, completamente moldadas dentro da nova cultura de controle, que servirá de base para, ao longo do tempo, ocupar o lugar da antiga cultura organizacional mais controlada e obsoleta;


29. Não se pode prever o tempo que essa nova cultura se tornará hegemônica, pois depende de um conjunto enorme de fatores imprevisíveis, que lutam entre si no atual momento. Mas a relação entre esses diversos fatores deve ser mais rápido nos lugares em que há mais competição e menos proteção a grupos monopolizados;


30. Pode-se dizer, entretanto, que a chegada da nova cultura de controle já está disseminada entre os mais jovens, que já se utilizam dessas ferramentas de forma natural, antes dos adultos (um fato completamente novo na histórias das tecnologias cognitivas). Eles são um fator indutor e acelerador das mudança, já surgindo aí uma tensão latente entre as duas gerações, representantes das duas culturas que lutam pelo espaço na sociedade;

31. Assim, a chegada de uma nova cultura de controle tende a oxigenar a sociedade com novas ideias, projetos, processo e talentos, através do questionamento de antigos valores e conceitos, em um processo de resgate de princípios. Processo esse que visa abrir novos canais de comunicação e diálogo na sociedade (pode se observar essa tendência no discurso de vários pensadores, com termos tais como “Liderança Aberta”, “Presença”, “Capitalismo Social”, etc);

32. Por fim, a nova cultura de controle digital poderá ser considerada hegemônica quando novas leis sociais forem estabelecidas, através de uma representação política e um modelo econômico que expresse essa nova cultura. No passado, para se chegar a esse ponto de ruptura e passagem final foi preciso revoluções sociais (tais como a francesa e a americana), que levaram 250 anos para ocorrem, a partir da Revolução Cognitiva. Isso se repetirá? De forma radical? Em quanto tempo?

Carlos Nepomuceno é Consultor estratégico de Internet, atualmente publica suas idéias no blog (www.nepo.com.br) e pode ser acompanhado no Twitter: www.twitter.com/cnepomuceno. Mais endereços na rede estão concentrados em: http://meadiciona.com/nepomuceno/. 

Fonte: iMasters

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