O gaúcho Joel Bassani, especialista em imagiologia, e o restaurador Woldney Ribeiro reúnem acervo |
Yuno Silva
repórter
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O hábito de trocar cartas nesses tempos de internet anda meio em baixa. Hoje, poucos têm trocado a instantaneidade das redes sociais e do e-mail para ir até uma agência do correio selar um envelope. Mas, diferentemente das voláteis mensagens eletrônicas, as cartas convencionais guardam uma carga histórica que ultrapassa gerações. Prova disso é o acervo deixado por Câmara Cascudo (1898-1986), que passa por processo adiantado de digitalização: são mais de 15 mil correspondências, entre enviadas e recebidas, que serão disponibilizadas para consulta até o fim do ano pelo Ludovicus – Instituto Câmara Cascudo.
Em ótimo estado de conservação, as cartas compartilham recorte significativo da memória brasileira e realçam os laços de amizade entre Cascudo e figuras do quilate de Monteiro Lobato, Mário de Andrade, Assis Chateaubriand, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Alberto Maranhão, Augusto Severo, Café Filho e Dom Pedro III (neto da Princesa Isabel e Conde D’Eu), entre outras personalidades políticas, intelectuais e escritores famosos. Há cartas dos cinco continentes, em diversos idiomas e todo o acervo bibliográfico ultrapassa os 40 mil volumes.
“São fotografias, plaquetes, correspondências, livros e panfletos cuidadosamente guardados pelo meu avô”, disse Daliana Cascudo, responsável pelo Instituto instalado na casa onde o professor, historiador e pesquisador morou.
Daliana contou que a primeira fase do trabalho, que foi digitalizar as cartas, está concluído, e que a próxima etapa é tratar as imagens e criar mecanismos para disponibilizar tudo de forma organizada. “A digitalização durou cerca de seis meses, de agosto de 2010 na fevereiro de 2011, e até o fim do ano deveremos oferecer acesso ao público que visitar o Ludovicus. Neste momento, a empresa Mais Data, que é nossa parceira no projeto, está debruçada no tratamento das imagens”, acrescentou. De acordo com ela, as 15 mil cartas estavam separadas apenas por ano: “Nosso próximo passo é organizar e catalogar tudo para facilitar a consulta”, disse.
As cartas também serão identificadas em três grandes grupos: ativas (escritas por Cascudo, que carbonava as correspondências), passivas (recebidas) e de terceiros (cujo conteúdo faz menção à Câmara Cascudo e/ou seu trabalho). “As pessoas ofereciam essas cartas à Cascudo, mas 90% do acervo são mesmo de cartas passivas”, disse a neta Daliana. A Mais Data não divulgou o valor do projeto, embora tenha entrado como parceira do Ludovicus nessa empreitada.
Clique aqui para ler algumas das cartas do acervo de Cascudo
O gaúcho Joel Bassani, especialista em imagiologia e responsável direto pela parte técnica do projeto, explicou que o tratamento das imagens se limitam a equilibrar brilho e contraste, e que a empresa Mais Data já está criando um programa sob medida para permitir a indexação de todo o acervo: “Além da busca por data, estamos trabalhando para cruzar informações como nome do remetente e local de postagem. Como a intenção é disponibilizar o acervo com a máxima brevidade possível, a indexação das cartas por assunto e temática será incorporada ao longo do próximo ano”, adiantou.
No primeiro momento, a consulta estará disponível apenas em terminais instalados nas dependências do Ludovicus – Instituto Câmara Cascudo, mas a plataforma desenvolvida também dará suporte para acesso através da internet. “Apesar de já suportar consultas online, temos que fazer as coisas por partes, ter um cuidado todo especial com relação a segurança deste acervo na internet”, aponta Joel, para quem a maior dificuldade foi a manipulação individual dos documentos históricos. “Trabalhamos com digitalização de documentos em série, principalmente de empresas e instituições públicas, e este foi nosso primeiro projeto com este perfil histórico cultural”, comemora.
Muito mais história, além das missivas
Missivista de mão cheia, Cascudo passou a trocar cartas em meados da década de 1920, e o cuidado com que eram arquivadas permitiu um alto grau de conservação: “Apenas 0,0000001% de todo o acervo precisa de restauração, Cascudo guardava tudo, inclusive o envelope, entre papéis de seda”, verifica o restaurador Woldney Ribeiro de Souza. “Então, além da importância histórica do conteúdo das cartas, os envelopes também podem desdobrar pesquisas sobre o serviço postal, sobre selos”, acredita Ribeiro.
Entre as curiosidades, Woldney destaca a presença de timbres e brasões de família em envelopes e papéis de carta; o papel sempre colorido das correspondências enviadas por Mário de Andrade; uma carta do presidente da Walt Disney do Brasil, agradecendo as dicas passadas por Cascudo; manuscritos de Dom Pedro III; e as cartas iconográficas do artista português de Angola Albano Neves e Souza, que o potiguar conheceu durante viagem à África: “Imagine que há envelopes de Albano Neves endereçados apenas com a caricatura de Cascudo, e as cartas chegavam. Sobre Walt Disney, podemos especular que as pesquisas de Câmara Cascudo possam ter contribuído para a criação do Zé Carioca e de outros tipos brasileiros”, arrisca o restaurador, que ainda encontra cartas não catalogadas, desconhecidas da família, no meio dos livros que passam por trabalho de recuperação. “Ele sabia que este acervo seria útil para futuras gerações”, garante.
Cartas já foram transcritas em livros
Antes mesmo da digitalização, parte das correspondências entre ilustres já estava em livros. O mais recente registra a troca de correspondência entre Câmara Cascudo e Mário de Andrade, publicadas em 2010: 'Cartas, 1924-1944', obra organizada por Marcos Antonio de Moraes (Global Editora). A amizade à distância entre os dois originou centenas de correspondências, em mais de 20 anos. Bem antes, em 1991, foi lançado o livro “Cartas de Mário de Andrade para Câmara Cascudo” (editora Vila Rica), organizado por Veríssimo de Melo, contendo apenas algumas cartas escritas por Mário, já que a família do paulista só liberou o acervo 50 anos após a morte do autor de “Macunaíma”.
Outros dois livros contendo cartas saíram pelo Sebo Vermelho: “Jasmins do Sobradinho” (cartas de João Lira Filho para Cascudo) e “Luís, tou jours Lui” (cartas de Cascudo para Bernard Alléguè), ambos organizados por Roberto Silva.
Instituto Ludovicus se mantém com venda de ingressos e direitos autorais
O Instituto, que leva o nome de Luís em latim, abriu as portas em janeiro de 2010 e funciona no sobrado onde o professor, escritor, historiador e pesquisador potiguar morou com a família até seu falecimento em 1986. Localizada na antiga avenida Junqueira Aires número 377 (atualmente Av. Câmara Cascudo), a casa passou por profunda restauração entre 2005 e 2009, mas os objetos pessoais e móveis permaneceram no imóvel durante todo o período. Seu funcionamento não tem vínculos com o poder público, diferentemente do Memorial Câmara Cascudo, na Cidade Alta, que abrigou parte do acervo bibliográfico até a abertura definitiva do Instituto. A restauração foi viabilizada com recursos da família, que precisou vender um imóvel no litoral Sul, e a manutenção do espaço cultural vem da venda de ingressos; da comercialização de produtos na lojinha instalada no local e de parte dos direitos autorais de Cascudo.
De acordo com Daliana Cascudo, que administra o Instituto, após o espaço completar dois anos de funcionamento estará habilitado para pleitear recursos federais através de editais públicos.
“São fotografias, plaquetes, correspondências, livros e panfletos cuidadosamente guardados pelo meu avô”, disse Daliana Cascudo, responsável pelo Instituto instalado na casa onde o professor, historiador e pesquisador morou.
Daliana contou que a primeira fase do trabalho, que foi digitalizar as cartas, está concluído, e que a próxima etapa é tratar as imagens e criar mecanismos para disponibilizar tudo de forma organizada. “A digitalização durou cerca de seis meses, de agosto de 2010 na fevereiro de 2011, e até o fim do ano deveremos oferecer acesso ao público que visitar o Ludovicus. Neste momento, a empresa Mais Data, que é nossa parceira no projeto, está debruçada no tratamento das imagens”, acrescentou. De acordo com ela, as 15 mil cartas estavam separadas apenas por ano: “Nosso próximo passo é organizar e catalogar tudo para facilitar a consulta”, disse.
As cartas também serão identificadas em três grandes grupos: ativas (escritas por Cascudo, que carbonava as correspondências), passivas (recebidas) e de terceiros (cujo conteúdo faz menção à Câmara Cascudo e/ou seu trabalho). “As pessoas ofereciam essas cartas à Cascudo, mas 90% do acervo são mesmo de cartas passivas”, disse a neta Daliana. A Mais Data não divulgou o valor do projeto, embora tenha entrado como parceira do Ludovicus nessa empreitada.
Clique aqui para ler algumas das cartas do acervo de Cascudo
O gaúcho Joel Bassani, especialista em imagiologia e responsável direto pela parte técnica do projeto, explicou que o tratamento das imagens se limitam a equilibrar brilho e contraste, e que a empresa Mais Data já está criando um programa sob medida para permitir a indexação de todo o acervo: “Além da busca por data, estamos trabalhando para cruzar informações como nome do remetente e local de postagem. Como a intenção é disponibilizar o acervo com a máxima brevidade possível, a indexação das cartas por assunto e temática será incorporada ao longo do próximo ano”, adiantou.
No primeiro momento, a consulta estará disponível apenas em terminais instalados nas dependências do Ludovicus – Instituto Câmara Cascudo, mas a plataforma desenvolvida também dará suporte para acesso através da internet. “Apesar de já suportar consultas online, temos que fazer as coisas por partes, ter um cuidado todo especial com relação a segurança deste acervo na internet”, aponta Joel, para quem a maior dificuldade foi a manipulação individual dos documentos históricos. “Trabalhamos com digitalização de documentos em série, principalmente de empresas e instituições públicas, e este foi nosso primeiro projeto com este perfil histórico cultural”, comemora.
Muito mais história, além das missivas
Missivista de mão cheia, Cascudo passou a trocar cartas em meados da década de 1920, e o cuidado com que eram arquivadas permitiu um alto grau de conservação: “Apenas 0,0000001% de todo o acervo precisa de restauração, Cascudo guardava tudo, inclusive o envelope, entre papéis de seda”, verifica o restaurador Woldney Ribeiro de Souza. “Então, além da importância histórica do conteúdo das cartas, os envelopes também podem desdobrar pesquisas sobre o serviço postal, sobre selos”, acredita Ribeiro.
Entre as curiosidades, Woldney destaca a presença de timbres e brasões de família em envelopes e papéis de carta; o papel sempre colorido das correspondências enviadas por Mário de Andrade; uma carta do presidente da Walt Disney do Brasil, agradecendo as dicas passadas por Cascudo; manuscritos de Dom Pedro III; e as cartas iconográficas do artista português de Angola Albano Neves e Souza, que o potiguar conheceu durante viagem à África: “Imagine que há envelopes de Albano Neves endereçados apenas com a caricatura de Cascudo, e as cartas chegavam. Sobre Walt Disney, podemos especular que as pesquisas de Câmara Cascudo possam ter contribuído para a criação do Zé Carioca e de outros tipos brasileiros”, arrisca o restaurador, que ainda encontra cartas não catalogadas, desconhecidas da família, no meio dos livros que passam por trabalho de recuperação. “Ele sabia que este acervo seria útil para futuras gerações”, garante.
Cartas já foram transcritas em livros
Antes mesmo da digitalização, parte das correspondências entre ilustres já estava em livros. O mais recente registra a troca de correspondência entre Câmara Cascudo e Mário de Andrade, publicadas em 2010: 'Cartas, 1924-1944', obra organizada por Marcos Antonio de Moraes (Global Editora). A amizade à distância entre os dois originou centenas de correspondências, em mais de 20 anos. Bem antes, em 1991, foi lançado o livro “Cartas de Mário de Andrade para Câmara Cascudo” (editora Vila Rica), organizado por Veríssimo de Melo, contendo apenas algumas cartas escritas por Mário, já que a família do paulista só liberou o acervo 50 anos após a morte do autor de “Macunaíma”.
Outros dois livros contendo cartas saíram pelo Sebo Vermelho: “Jasmins do Sobradinho” (cartas de João Lira Filho para Cascudo) e “Luís, tou jours Lui” (cartas de Cascudo para Bernard Alléguè), ambos organizados por Roberto Silva.
Instituto Ludovicus se mantém com venda de ingressos e direitos autorais
O Instituto, que leva o nome de Luís em latim, abriu as portas em janeiro de 2010 e funciona no sobrado onde o professor, escritor, historiador e pesquisador potiguar morou com a família até seu falecimento em 1986. Localizada na antiga avenida Junqueira Aires número 377 (atualmente Av. Câmara Cascudo), a casa passou por profunda restauração entre 2005 e 2009, mas os objetos pessoais e móveis permaneceram no imóvel durante todo o período. Seu funcionamento não tem vínculos com o poder público, diferentemente do Memorial Câmara Cascudo, na Cidade Alta, que abrigou parte do acervo bibliográfico até a abertura definitiva do Instituto. A restauração foi viabilizada com recursos da família, que precisou vender um imóvel no litoral Sul, e a manutenção do espaço cultural vem da venda de ingressos; da comercialização de produtos na lojinha instalada no local e de parte dos direitos autorais de Cascudo.
De acordo com Daliana Cascudo, que administra o Instituto, após o espaço completar dois anos de funcionamento estará habilitado para pleitear recursos federais através de editais públicos.
Fonte: Tribuna do Norte
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